segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

LUZ DOURADA

Eu sou um homem ambicioso. Certamente não nasci assim, mas as vicissitudes me levaram à ambição. Nunca passei fome, mas tudo em casa era controlado. Éramos cinco irmãos: cinco bocas a ser alimentados diariamente, cinco corpos a ser agasalhados, cinco organismos a ser medicados quando doentes, cinco matrículas a exigir matérias escolares, cinco infâncias a pedir brinquedos. E meu pai era um só, um só RG, um só CPF, dois braços fortes a extrair, da terra ou de onde precisasse, o elementar para a nossa sobrevivência. Mas eu, no calor utópico das espinhas no rosto, decidi que não queria deixar para meu filho aquela “pampa pobre”.
        Trabalhei, então, como um louco: abri mão de toda e qualquer diversão, prometendo a mim mesmo que quando eu fizesse o meu pé de meia, largaria o trabalho desenfreado para poder me dar ao luxo dourado de usufruir dos benefícios verdes. Em duas décadas, trabalhando de sol a sol, sem domingo nem dia santo, construí um louvável patrimônio que poderia, matematicamente, me oferecer uma vida digna de invejável elegância, desde o traje fino até a mesa farta, sem falar dos carros luxuosos e da mansão imponente. Mas já na mornidão grisalha dos 40, eu nem pensava mais em usufruir de nada: eu só queria acumular mais e mais.
        Tinha algumas dezenas de empregados, que poderiam facilmente fazer todo o trabalho para mim, só que eu não podia descuidar, eu tinha que estar sempre em cima, sempre pressionando, afinal tempo é dinheiro e dinheiro não se joga pelo ralo. E tem mais: eu trabalhava duro, pois assim produzia mais e me livrava de pagar o equivalente a um ou dois funcionários. Foi nesse período que eu não vi o tempo passar, e quando dei por mim, estava já chegando aos 60.
        Certo sábado à tarde, depois de passar um dia todo trabalhando, senti uma pequena dor nos ombros. Tomei um comprimido e continuei trabalhando, tinha que terminar um trabalho urgente. Nos dias que se seguiram, a dor foi aumentando gradativamente, e do ombro desceu para as costas, foi para os braços e alcançou as pernas. Decidi procurar um médico. Ao receber o diagnóstico, eu não sabia o que doía mais: as dores do corpo ou a dor de ter que desembolsar tanto dinheiro por um tratamento de saúde. Por que tão caro?!
        Algum tempo depois da consulta, depois de ter negado o tratamento receitado, travei: meu corpo doía tanto, desde os pés até a cabeça, que parecia que meus ossos pegavam fogo, que minha carne era lentamente dilacerada por navalhas enferrujadas banhadas em ácido corrosivo. Eu nem vi os paramédicos chegarem.
        Faz cinco meses que estou internado, praticamente imobilizado. Mas uma luz brilha forte dentro de mim: hoje começaram os procedimentos cirúrgicos, que se arrastarão por tempo indeterminado. Mas brilha forte a luz dentro de mim: tenho certeza que muito em breve sairei daqui, forte e saudável para trabalhar ainda mais do que sempre trabalhei, trabalhar como louco, pois todo esforço é pouco para recuperar todo esse mundaréu de dinheiro que venho gastando com esse maldito hospital, caro como os mais altos encargos trabalhistas e mais frios que um corpo paralisado, incapaz de suar uma gota salgada em busca da doçura do ouro.

O nosso próximo texto será “Um amor Imarcescível”. Aguardem!

Que Deus nos abençoe e nos dê longa vida, amém!

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