Eu sou um homem ambicioso.
Certamente não nasci assim, mas as vicissitudes me levaram à ambição. Nunca
passei fome, mas tudo em casa era controlado. Éramos cinco irmãos: cinco bocas
a ser alimentados diariamente, cinco corpos a ser agasalhados, cinco organismos
a ser medicados quando doentes, cinco matrículas a exigir matérias escolares,
cinco infâncias a pedir brinquedos. E meu pai era um só, um só RG, um só CPF,
dois braços fortes a extrair, da terra ou de onde precisasse, o elementar para
a nossa sobrevivência. Mas eu, no calor utópico das espinhas no rosto, decidi
que não queria deixar para meu filho aquela “pampa pobre”.
Trabalhei,
então, como um louco: abri mão de toda e qualquer diversão, prometendo a mim
mesmo que quando eu fizesse o meu pé de meia, largaria o trabalho desenfreado
para poder me dar ao luxo dourado de usufruir dos benefícios verdes. Em duas
décadas, trabalhando de sol a sol, sem domingo nem dia santo, construí um
louvável patrimônio que poderia, matematicamente, me oferecer uma vida digna de
invejável elegância, desde o traje fino até a mesa farta, sem falar dos carros luxuosos
e da mansão imponente. Mas já na mornidão grisalha dos 40, eu nem pensava mais
em usufruir de nada: eu só queria acumular mais e mais.
Tinha
algumas dezenas de empregados, que poderiam facilmente fazer todo o trabalho
para mim, só que eu não podia descuidar, eu tinha que estar sempre em cima,
sempre pressionando, afinal tempo é dinheiro e dinheiro não se joga pelo ralo.
E tem mais: eu trabalhava duro, pois assim produzia mais e me livrava de pagar
o equivalente a um ou dois funcionários. Foi nesse período que eu não vi o
tempo passar, e quando dei por mim, estava já chegando aos 60.
Certo
sábado à tarde, depois de passar um dia todo trabalhando, senti uma pequena dor
nos ombros. Tomei um comprimido e continuei trabalhando, tinha que terminar um
trabalho urgente. Nos dias que se seguiram, a dor foi aumentando
gradativamente, e do ombro desceu para as costas, foi para os braços e alcançou
as pernas. Decidi procurar um médico. Ao receber o diagnóstico, eu não sabia o
que doía mais: as dores do corpo ou a dor de ter que desembolsar tanto dinheiro
por um tratamento de saúde. Por que tão caro?!
Algum
tempo depois da consulta, depois de ter negado o tratamento receitado, travei:
meu corpo doía tanto, desde os pés até a cabeça, que parecia que meus ossos
pegavam fogo, que minha carne era lentamente dilacerada por navalhas
enferrujadas banhadas em ácido corrosivo. Eu nem vi os paramédicos chegarem.
Faz
cinco meses que estou internado, praticamente imobilizado. Mas uma luz brilha
forte dentro de mim: hoje começaram os procedimentos cirúrgicos, que se arrastarão
por tempo indeterminado. Mas brilha forte a luz dentro de mim: tenho certeza
que muito em breve sairei daqui, forte e saudável para trabalhar ainda mais do
que sempre trabalhei, trabalhar como louco, pois todo esforço é pouco para
recuperar todo esse mundaréu de dinheiro que venho gastando com esse maldito
hospital, caro como os mais altos encargos trabalhistas e mais frios que um
corpo paralisado, incapaz de suar uma gota salgada em busca da doçura do ouro.
O nosso próximo texto será “Um amor
Imarcescível”. Aguardem!
Que Deus nos abençoe e nos dê longa vida,
amém!
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