Nasci, cresci e vivo até hoje numa casinha
pobrezinha que herdei de meus pais. Meu pai foi um homem de princípios e muito responsável.
Ele tentou me ensinar a ser um homem educado. Minha mãe sempre me dizia que a
gente não procura a pessoa certa, que a gente se encontra.
Ela dizia para mim que um dia eu encontraria
uma moça que ia sorrir para mim e que o meu coração bateria forte, e nunca mais
eu viveria sem ela.
Numa manhã de domingo, fugi de minhas rotas
diárias e encontrei-me a caminhar por um novo bairro, o qual eu não tinha
motivos para ir.
Em minha caminhada sem sina, chamou-me a
atenção os muros verdes de um jardim, pois com o findar da primavera as flores da
época já não floresciam mais, e no desenrolar do verão o mormaço desmanchou as
ultimas pétalas ainda rubras das rosas da praça central.
Eram meados de março, as folhas já secas
caíam vagarosamente, a sempre triste e belíssima cena de outono se repetia mais
uma vez. Neste dia, porém, o que eu via por sob um muro fez-me interromper a
caminhada. E me debruçando sobre ele, quase pasmo fiquei, contemplando tamanha
beleza.
As flores plantadas estrategicamente próximas
as cerejeiras não recebiam o ardente sol da metade do dia, e ao findar da tarde
às sombras do altivo muro de concreto ludicamente embelezado pelas
ipoméias-rubras que o cobria, os belos lírios amarelo-fulgazes descansavam suas
pétalas. A graça e o capricho visível naquele jardim faziam qualquer um
lembrar-se das obras de Deus, que são sempre tão perfeitas; e o que vi em
seguida, me fez ter mais certeza.
Ao fundo do quintal, uma simples casinha
abria suas janelas, e logo a porta também ficou aberta, deixando passar por ela
o que eu podia jurar, - Era um anjo!
Ao me ver, rapidamente veio em minha
direção, e eu, ainda tímido por ser pego sob seu muro, fui logo me desculpando
e disse-lhe que não se preocupasse, pois estava apenas a admirar seu jardim.
Receosa e com toda tranquilidade do mundo deu
uns minutos de seu precioso tempo, indaguei-a sobre o jardim, se ela mesma quem
cuidara e fizera daquele lugar aquele pedaço do céu. Ela viu em minhas palavras
a inocência e eu em seu sorriso contemplei a pureza que havia em sua alma. O
meu coração bateu forte.
Senti o céu pairar sobre a minha cabeça,
senti a terra sair de baixo dos meus pés, flutuei no espaço, tamanha foi a
emoção que senti do amor, pela primeira vez. E meu coração bateu forte! E como
bateu! (Ai mãe, me lembrei de ti).
Perguntei se poderia voltar para contemplar o
seu jardim em outro domingo, e ela apanhou uma margarida e estendeu a mão pra
mim, esta foi sua resposta, juntamente com seu olhar e um lindo sorriso.
Lembrei de minha mãe, e sua profecia que
se cumpria.
Herança, o ressoar dessa palavra faz-nos
pensativos. Quem é que não gostaria de deixar uma bela herança para seus
filhos?
Sou filho único e com vinte e oito anos
tornei-me órfão de pai e mãe. Meu pai não me deixou um luxuoso apartamento, um
carro possante, ou fortunas para esbanjar; ao invés disso, deixou-me uma
casinha bem pobrezinha e junto a ela, recebi as maiores heranças que qualquer
um poderia receber... (Oi mãe, oi pai, saudades...)
Onze anos se passaram e hoje, o anjo que
encontrei naquele belo jardim é a rainha do meu lar, aquela quem enriquece a
minha casinha pobrezinha, a mais bela herança que Deus me deu.
Até a
próxima, se Ele assim permitir!
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